Élvio

A primeira frustração de estar em Paris foi não ter me emocionado por estar em Paris. Isso me causou um extremo desconforto que não ousei comunicar a ninguém. Encontrava-me à flor da pele o suficiente para fazer jorrar lágrimas intermináveis, que transbordariam o Sena e inundariam a cidade inteira. No fundo, eu ansiava por destruir a cidade tal qual um amante passional que flagra seu amado em delito de adultério.
Eis que numa tarde onde me ocupava apenas em saborear um vinho numa ruela no 5eme, entre o penúltimo e o último gole, num momento de decisão fatal entre ir embora e pedir outra garrafa, num estágio de torpor criativo, vislumbrei através do cristal turvo de tinto a razão de minha frustração.
Era saudade o que sentia de Paris. Não indiferença de olhos secos. Eu reconhecia aqueles monumentos, aqueles parques, aquele frio, aquele povo, aquele quai, a capelinha perdida numa esquina não tocada por Hausmman.
Para ter compreendido que o que senti ao chegar aqui fora apenas saudade, foi preciso antes conhecer um idioma - o único no mundo - capaz de nomear esse sentimento. Trajeto indipensável a caminho de regresso a minha Lutèce.

A primeira vez em Paris teve este gosto inenarrável de saudade envelhecida nos melhores barris de carvalho da região do Vale do Loire. Na minha mesa de bar, às 17h de um domingo frio, pedi outra garrafa - safra 1984 - destinada a virar couro selado em vitrine da Avenue Montaigne, a quatro quadras dali.

"filhote de jacaré é atropelado 7 de janeiro de 2001 na rua presidente vargas. resgatado por alguns franceses, falece no dia 1 de outubro de 2010 em paris, frança. por ser tão amado por seus salvadores é transformado em uma bolsa Louis Vuitton. destino que só é possível a um jacaré de interior."
Estela Rosa